Poemas das palestras de Dr Paulo I
A VIDA…
Fernando Pessoa
A vida são deveres que nós trouxemos pra fazer em casa.Quando se vê já são seis horas!Quando se vê, já é sexta-feira...Quando se vê, já terminou o ano...Quando se vê, passaram-se 50 anos!Agora, é tarde demaispara ser reprovado...Se me fosse dada, um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.Seguiria sempre em frentee iria jogando, pelo caminho, a casca douradainútil das horas...
Dessa forma eu digo, não deixede fazer algo que gosta devidoà falta de tempo, a única faltaque terá, será desse tempo queinfelizmente não voltará mais.
Mário Quintana
Brinquedos
Rabindranaz Tagore.
Como é feliz ,menino,sentado
Aí no chão, a manha inteira brincando
com esse pauzinho quebrado .Fico rindo ao
ver-te brincar com esse pedacinho de pau .
Eu me ocupo o dia inteiro com minhas
contas ,somando e somando , preocupado
com números. Talvez me olhes de relance,
Pensando: “Papai é bobo! Gasta a manha”.
Inteira com esse brinquedo idiota ““.
Ah menino, eu esqueci a arte de
me distrair com pauzinhos e bolinhas
de barro. Ando atrás de brinquedos caros ,
procurando acumular montes de ouro
e de prata. Tu brincas alegremente com
qualquer coisinha que encontras.
Enquanto isso , eu gasto o meu tempo
e a minha força em coisas que jamais vou
Alcançar. Luto para atravessar o mar da
ambição com a minha frágil canoa, e me
esqueço de que eu também estou
brincando.
Trecho de Grande Sertão:Veredas. Guimarães Rosa.
De primeiro , eu fazia e mexia, e pensar não pensava. Não possuía os prazos. Vivi puxando difícil de difícel , peixe vivo no moquém; quem mói no asp´ro , não fantasêia. Mas , agora, feito a folga que me vem, e sem pequenos dessossegos, estou de range rede . E me inventei neste gosto de especular idéia. O diabo existe e não existe? Dou o dito. Abrenúncio. Essas melancolias.O senhor vê:existe cachoeira; e pois ? mas cachoeira é barranco de chão , e água se caindo por ele, retombando; o senhor consome essa água , ou desfaz esse barranco , sobra cachoeira alguma? Viver é negocio muito perigoso...
A TREVA
ADELIA PRADO (O PELICANO )
Me escolhem os claros do sono
engastados na madrugada,
a hora do Getsêmanei
São cruas claras visões
às vezes pacificadas,
às vezes o terror puro
Sem o suporte dos ossos
Que o dia pleno me dá.
A alma desce aos infernos,
a morte tem seu festim.
Até que todos despertem e
eu mesma possa dormir,
o demônio come a seu gosto,
o que não é Deus pasta em mim.
Exausto
Adélia Prado. Bagagem
Eu quero uma licença de dormir,
Perdão pra descansar horas a fio,
Sem ao menos sonhar
A leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
Foi o profundo sono das espécies,
A graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes.
Leitura
Adélia Prado
Era um quintal ensombrado , murado alto de pedras.
As macieiras tinham maçãs temporãs, a casca vermelha
de escuríssimo vinho, o gosto caprichado das coisas
fora de seu tempo desejadas.
Ao longo do muro eram talhas de barro.
Eu comia maçãs , bebia melhor água , sabendo
que lá fora o mundo havia parado de calor.
Depois encontrei meu pai, que me fez festa
e não estava doente e nem tinha morrido, por isso ria,
os lábios de novo e a cara circulados de sangue,
caçava o que fazer pra gastar sua alegria:
onde está o meu formão , minha vara de pescar,
cadê minha binga ,meu vidro de café ?
Eu sempre sonho que uma coisa gera ,
nunca nada está morto.
O que não parece vivo ,aduba.
O que parece estático, espera.
Ensinamento
Adélia Prado.
Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é .
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite , o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
“Coitado, até essa hora no serviço pesado”
arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.
Impressionista
Adélia Prado
Uma ocasião ,
Meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa
como ele mesmo dizia:
constantemente amanhecendo.
Poemas de Fernando Pessoa
I
Segue o teu destino,Rega as tuas plantas,Ama as tuas rosas.O resto é a sombraDe árvores alheias.
A realidadeSempre é mais ou menosDo que nós queremos.Só nós somos sempreIguais a nós próprios.
Suave é viver só.Grande e nobre é sempreViver simplesmente.Deixa a dor nas arasComo ex-voto aos deuses.
Vê de longe a vida.Nunca a interrogues.Ela nada podeDizer-te. A respostaEstá além dos deuses.
Mas serenamenteImita o OlimpoNo teu coração.Os deuses são deusesPorque não se pensam.
“Olá, guardador de rebanhos,
Aí a beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?”
“Que é vento e que passa ,
e que já passou antes,
e que passará depois.
E a ti o que te diz?”
“Muita coisa mais do que isso.
Fala-me de muitas outras coisas.
De memórias e de saudades
E de coisas que nunca foram.”
“Nunca ouviste passar o vento.
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira.
E a mentira esta em ti.”
II
Leve, leve , muito leve,
Um vento muito leve passa,
E vai-se sempre muito leve.
E eu não sei o que penso
Nem procuro sabê-lo.
Amo a mansidão.
Pablo Neruda.
A mansidão eu amo e sempre que entro
Pelos ermos umbrais da escuridão
Abro os olhos para enchê-los
Da doçura dessa paz.
A mansidão eu amo sobre todas as coisas deste mundo.
Na quietude das coisas eu descubro um canto enorme e mudo.
E quando elevo os olhos para o céu
No estremecer das nuvens eu encontro,
Na ave que cruz ao espaço e até no vento,
A doçura que flui da mansidão.
Canção.
Emilio Moura.
Viver não dói.O que dói
é a vida que se não vive.
Tanto mais bela sonhada ,
quanto mais triste perdida.
Viver não dói.O que dói
é o tempo, essa força onírica
em que se criam os mitos
que o próprio tempo devora .
viver não dói . O que dói,
é essa estranha lucidez,
misto de fome e de sede
com que tudo devora.
Viver não dói.O que dói,
ferindo fundo , ferindo,
É a distancia infinita entre a vida que se pensa
e o pensamento vivido .
Que tudo o mais é perdido.
Trecho de Crônica de uma Casa Assassinada.
Lucio Cardoso.
O Diabo, minha filha, não é como você imagina. Não significa a desordem, mas a certeza e a calma.
Que é que você imagina como uma casa dominada pelo poder do mal?
É uma construção assim, firme nos seus alicerces, segura de suas tradições, consciente da responsabilidade de seu nome. Não é a tradição que se arraiga nela , mas a tradição transformada no único escudo da verdade.
É o que poderíamos chamar de um lar solidamente erguido neste mundo.
Não há nele , de tão definitivo, nenhuma fenda por onde se desvende o céu.
Minha filha, falo sobre o pecado.Quero reinstalar o pecado na sua consciência , pois há muito que você o baniu definitivamente de seu espírito, que o trocou definitivamente pela certeza_ que aos seus olhos é a única representação do bem. Não há caos, nem luta, nem temor no fundo de seu ser.Quero reinstalar nele a consciência do pecado.
Mãos dadas.
Drummond
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma historia,
Não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
Não distribuirei entorpecentes nem cartas de suicidas,
Não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins,
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
A vida presente.
Homenagem aos 100 anos do nosso poeta maior, Drummond.
O homem é o único animal...
Luiz Fernando Veríssimo.
...que ri
...que chora
...que chora de rir
...que passa por outro e finge não vê
...que fala mais que papagaio
...que está sempre no cio
...que passa trote
...que passa calote
...que mata a distancia
...que manda matar
...que esfola os outros e vende a pele
..que alimenta as crias ,mas depois
cobra com chantagem sentimental
...que faz o que gosta escondido e o que não gosta em publico.
...que só muda de cor com produtos químicos ou de vergonha
...que bebe , fuma,usa óculos,fica careca, põe o dedo no nariz e
gosta de opera
...que faz um boneco inflável da fêmea
...que não suporta o próprio cheiro
...que se veste
...que veste os outros
...que despe os outros
.que usa gravata e que pensa que Deus e parecido com ele
...que planta e colhe e mesmo assim morre de fome
...que faz dieta
...que escraviza
...que tem horas
...que faz fogo
...que se analisa
...que sabe que vai morrer e mesmo assim vai atrás do motorista
que cortou sua frente só para xingar a mãe dele e se desagravar porque
não leva desaforo pra casa de vagabundo nenhum
...que se mata
...que se pinta...
..que pensa que é eterno.
O homem não e o único animal...
...que constrói casa, mas é o único que precisa de fechadura
...que trai , polui e aterroriza, mas e o único que se justifica depois
...que engole sapo, mas e o único que não faz isso pelo valor nutricional
...que faz sexo, mas e o único que precisa de manual de instruções