drpaulocesarpalestrante

Friday, September 21, 2007

GUARDAR: ANTONIO CICERO

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.Em cofre não se guarda coisa alguma.Em cofre perde-se a coisa à vista.Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,isto é, estar por ela ou ser por ela.Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro .Do que um pássaro sem vôos.Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,por isso se declara e declama um poema:Para guardá-lo:Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:Guarde o que quer que guarda um poema:Por isso o lance do poema:Por guarda-se o que se quer guardar.

amor feinho: Adelia Prado

"Eu quero amor feinho.Amor feinho não olha um pro outro.Uma vez encontrado, é igual fé,não teologa mais.Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexoe filhos tem os quantos haja.Tudo que não fala, faz.Planta beijo de três cores ao redor da casae saudade roxa e branca,da comum e da dobrada.Amor feinho é bom porque não fica velho.Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:eu sou homem você é mulher.Amor feinho não tem ilusão,o que ele tem é esperança:eu quero amor feinho."Texto extraído do livro "Adélia Prado - Poesia Reunida", Ed. Siciliano - São Paulo, 1991

CASAMENTO :ADELIA PRADO

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
Texto extraído do livro "Adélia Prado - Poesia Reunida", Ed. Siciliano - São Paulo, 1991, pág. 252.

Ora (direis) ouvir estrelas! OLAVO BILAC

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-Ias, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto ...


E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.


Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"


E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."